Modorra

Tiago Germano
2 min readApr 24, 2020
“A Cidade Dorme”, Luiz Ruffato

Há três segmentos ocultos na estrutura de organização das narrativas breves de “A Cidade Dorme”, coletânea de contos de Luiz Ruffato. Tais segmentos podem funcionar, também, como grandes núcleos temáticos que norteiam sua obra como romancista (bem mais regular e consistente): 1) O passado, familiar e provinciano, evocado pelo presente metropolitano solitário; 2) As circunstâncias político-culturais da geração dos anos 1960, às voltas com a ditadura e o gradual processo de crescimento econômico e redemocratização; 3) Aquele presente metropolitano, sob a ótica operária e marginal, atravessada por uma linguagem calcada no ruído da contemporaneidade.

Talvez por só alcançarem uma unidade neste corolário pacientemente burilado, título a título, desde sua festejada estreia no romance com “Eles Eram Muitos Cavalos” (20o1), este compilado de histórias publicadas aqui e ali, ao longo da carreira de Ruffato, soe tão vacilante quando analisada isoladamente, à luz de enredos precocemente interrompidos por um escritor claramente de maior fôlego.

Não à toa, uma das melhores peças do conjunto é uma das mais longas: “Água parada”, texto dedicado a Cristovão Tezza que inaugura o segundo e mais potente segmento do livro, com o seu acento geracional comum aos dois escritores (pelo menos quando falamos de um primeiro Tezza, ainda marcado por seu passado hippie e a influência do mentor Rio Apa). É o ponto alto do livro, introduzindo quiçá o mais bem sucedido dos contos (o belíssimo “O Dia em que encontrei o meu pai”) e um dos poucos entre eles que funciona sem o suporte formal — largamente explorado no segmento posterior: o conto “Sem Pensar”.

O volume finaliza com os procedimentos de linguagem que consagraram Ruffato numa estética que muitos já chamaram de “romance-instalação”, e que compõe parte da sua saga proletária “Infernos Provisórios”. O último conto, “A alegria”, é provavelmente o mais longo e mais pitoresco da coletânea. Em linhas ainda imaturas, dele parece se sobressair o narrador que, mais tarde, renderá o Oséias de “Verão Tardio”, este sim um grande testemunho da maturidade de Ruffato, ainda invisível nestas páginas.

Cotação: 2/5

Review no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/3298799183

Próxima leitura: “A Tirania do Amor”, Cristovão Tezza

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Tiago Germano

Escritor, autor do romance “A Mulher Faminta” (Moinhos, 2018) e do volume de crônicas “Demônios Domésticos” (Le Chien, 2017), indicado ao Prêmio Jabuti.