Lost in translation

Tiago Germano
2 min readJul 23, 2019
“Dez de Dezembro” (Cia. das Letras, 2014), George Saunders

Não é preciso conhecer o texto original de Dez de Dezembro (Cia. das Letras, 2014) para notar que há, em seus contos, uma oralidade bastante peculiar, que se perderia mesmo diante dos esforços do mais hábil tradutor (o que certamente é o caso de José Geraldo Couto, tradutor que tem em seu currículo nomes como Saul Bellow e Adolfo Bioy Casares). Já em “No colo da vitória”, narrativa de abertura desta dezena de histórias curtas, nos deparamos com um dos seus personagens desfiando um rosário de desaforos. A sensação não é outra que a de estar assistindo a um filme de dublagem duvidosa no qual nuances do seu humor se dissipam e a graça passa a ser a própria voz do dublador.

A leitura, não em raros momentos, me remeteu ao que faz Lourenço Mutarelli em seu O Filho Mais Velho de Deus… (2018), volume mais recente da coleção Amores Expressos, situado em Nova York. Maliciosamente, Mutarelli incorpora à sua linguagem o léxico de ofensas de um estadunidense padrão e, em vez de adaptá-lo para o nosso, se sai com traduções literais. O efeito é canhestro: “Holy shit!” se torna “Santa bosta!”; “mother fucker”, “fodedor de mãe”, e por aí vai… O que é canhestro em Mutarelli, por isso mesmo risível, tem o efeito contrário no Saunders aportuguesado, quando nos deparamos com expressões como “feche a matraca” e santa bosta, por que não usar um “cale a boca”?

Meu desconforto com a coletânea, porém, não fica apenas em sua dimensão linguística. Salvo “De volta para casa”, conto que narra o retorno à pátria de um veterano de guerra, o volume não me cativou nem justificou a propalada maestria de Saunders (reforçada insistentemente pelos paratextos e pelo Man Booker Prize conquistado em 2017, no caso, pelo seu trabalho no romance com Lincoln no Limbo — publicado no Brasil no ano seguinte).

Se, nos contos, as narrativas mais robustas de Saunders parecem pouco à vontade com o acento estilístico proposto pelo autor, a partir das características de seus personagens, resta torcer para que, no romance, onde a narrativa se impõe com maior vigor, por vezes diluindo estas vozes que reivindicam o controle da narração, sua prosa se saia melhor.

Cotação: 1/5 [Não gostei]

Review no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/2897272526

Próxima leitura: “O Concertista e a Concertina”, Geraldo Maciel

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Tiago Germano
Tiago Germano

Written by Tiago Germano

Escritor, autor do romance “A Mulher Faminta” (Moinhos, 2018) e do volume de crônicas “Demônios Domésticos” (Le Chien, 2017), indicado ao Prêmio Jabuti.

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