As águas barrentas da oralidade

Livro de contos vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2017, O Abridor de Letras tem na oralidade o seu principal recurso narrativo, fazendo emergir uma voz ainda pouco ouvida na literatura brasileira contemporânea: a que brota dos confins do Norte, dos igarapés amazônicos, da floresta tão esquecida quanto mitificada pelo apetite urbano que rege também a pauta de escritores e leitores.
São oito contos longos, conduzidos por personagens às voltas com as intempéries climáticas e os humores dos homens e mulheres de uma região onde lanchas substituem carros e as vidas correm à deriva dos rios, suscetíveis a suas correntes e por vezes tragadas por suas cheias.
Sem embarcar no exotismo — em que seria fácil de se incorrer caso apelassem para um olhar externo, mais próximo talvez ao do autor (que é paulista, embora viva em Belém e dedique-se ao ativismo ambiental) -, as histórias são ora narradas ora protagonizadas por estes personagens de vida simples mas vivências complexas, expressas numa cultura impregnada de saberes e ancestralidades.
É certo que o registro oral quase sempre se sobrepõe aos dramas dos enredos, e o tom monocórdico da narração (que se encharca do léxico peculiar dos personagens, de suas construções de pensamento e lógicas narrativas) acaba eclipsando episódios talvez mais interessantes que este tipo de experimentação autoral. É o que ocorre, por exemplo, no conto de abertura, quando somos introduzidos ao cenário que irá abrigar todo o restante do livro, dando o primeiro passo nesta paisagem de início turva e lamacenta.
Demora até que um certo equilíbrio seja atingido em contos de maior êxito como “Mamí tinha razão”, “Blém” ou “Diário de visita à rendeira do Rio Vermelho”. Este último, talvez o melhor entre eles, joga inclusive com aquele olhar externo ao mundo destes personagens: colocando uma rendeira diante de turistas que chegam à sua vila para comprar seu produto (reduzindo uma arte ancestral a isso mesmo: um produto).
É em contos assim que conseguimos enxergar para além do contraste entre o urbano e o rural, e as diferenças parecem contribuir para que leitor e escritor falem uma mesma língua.
Cotação: 2/5
Review no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/2917600345
Próxima leitura: “Guerra Sem Fim”, Joe Haldeman