As águas barrentas da oralidade

Tiago Germano
2 min readSep 19, 2019

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“O Abridor de Letras” (Record, 2017), João Meirelles Filho

Livro de contos vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2017, O Abridor de Letras tem na oralidade o seu principal recurso narrativo, fazendo emergir uma voz ainda pouco ouvida na literatura brasileira contemporânea: a que brota dos confins do Norte, dos igarapés amazônicos, da floresta tão esquecida quanto mitificada pelo apetite urbano que rege também a pauta de escritores e leitores.

São oito contos longos, conduzidos por personagens às voltas com as intempéries climáticas e os humores dos homens e mulheres de uma região onde lanchas substituem carros e as vidas correm à deriva dos rios, suscetíveis a suas correntes e por vezes tragadas por suas cheias.

Sem embarcar no exotismo — em que seria fácil de se incorrer caso apelassem para um olhar externo, mais próximo talvez ao do autor (que é paulista, embora viva em Belém e dedique-se ao ativismo ambiental) -, as histórias são ora narradas ora protagonizadas por estes personagens de vida simples mas vivências complexas, expressas numa cultura impregnada de saberes e ancestralidades.

É certo que o registro oral quase sempre se sobrepõe aos dramas dos enredos, e o tom monocórdico da narração (que se encharca do léxico peculiar dos personagens, de suas construções de pensamento e lógicas narrativas) acaba eclipsando episódios talvez mais interessantes que este tipo de experimentação autoral. É o que ocorre, por exemplo, no conto de abertura, quando somos introduzidos ao cenário que irá abrigar todo o restante do livro, dando o primeiro passo nesta paisagem de início turva e lamacenta.

Demora até que um certo equilíbrio seja atingido em contos de maior êxito como “Mamí tinha razão”, “Blém” ou “Diário de visita à rendeira do Rio Vermelho”. Este último, talvez o melhor entre eles, joga inclusive com aquele olhar externo ao mundo destes personagens: colocando uma rendeira diante de turistas que chegam à sua vila para comprar seu produto (reduzindo uma arte ancestral a isso mesmo: um produto).

É em contos assim que conseguimos enxergar para além do contraste entre o urbano e o rural, e as diferenças parecem contribuir para que leitor e escritor falem uma mesma língua.

Cotação: 2/5

Review no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/2917600345

Próxima leitura: “Guerra Sem Fim”, Joe Haldeman

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Tiago Germano
Tiago Germano

Written by Tiago Germano

Escritor, autor do romance “A Mulher Faminta” (Moinhos, 2018) e do volume de crônicas “Demônios Domésticos” (Le Chien, 2017), indicado ao Prêmio Jabuti.

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