Ajustando os parafusos

O Inferno Atrás da Pia (Objetiva, 2004) é um dos primeiros livros de Antonio Prata, um dos principais representantes da nova geração da crônica brasileira. Com textos esparsos, publicados em revistas, a coletânea não possui a unidade que mais tarde irá caracterizar alguns títulos do autor (como o ótimo Nu de Botas), sendo o humor o elo entre os textos que versam sobre temas variados, sendo alguns mais próximos do conto, outros da crônica.
São desta primeira vertente quatro das melhores peças do conjunto: “Parada” é o fluxo de consciência de um menino, encarregado de tocar os pratos de uma orquestra infantil num desfile. O conto destaca-se pela linguagem ingênua calcada na timidez do garoto, ciente de seu papel insignificante na orquestra; “Claudomiro continua contando” narra a alucinante biografia de um sujeito que tem uma mania esdrúxula: contar todas as coisas que já viu, dos objetos ao seu redor aos bueiros do bairro onde mora; “O Aleph da Vila Madalena” é uma paródia do conto de Borges, ambientada na tradicional Mercearia São Pedro, em São Paulo, tendo os seus donos como personagens; e “Melda!” é o “drama em um ato” de uma festa infantil, protagonizada por um adolescente metaleiro que acabou de ingerir um ácido e uma atriz que, pela falta de dinheiro, se vê obrigada a fazer um bico fantasiada de Cebolinha na festa.
Ao flertar com a crônica, seu domínio particular, Prata se sente à vontade para brincar com o leitor, se colocando como personagem das narrativas (como na crônica que batiza o livro) e tornando conhecidos seus e do público como personagens. Na crônica “O esquema Pesque & Pague”, vemos um complô entre escritores (quase todos cronistas, da geração anterior de Prata, como Millôr Fernandes, Veríssimo e Ignácio Loyola Brandão) que, para diversão do grupo, passam a escrever textos de baixa literatura em revistas do segundo escalão da imprensa.
No todo, o livro é marcado pela fluidez de Prata, seu modo de escrever simples e cativante. Porém, a mesma despretensão que, numa revista, soa como alívio cômico, no livro, beira a vaguidão e a falta de objetivo, tingindo as páginas de casos inexpressivos ocultos sob a falta de rigor do gênero no qual o autor é especialista (certos textos como “Sentou no chiuaua e foi ao cinema”, “Édipo S.A.”, “El tomba-vacas” e “Fora de série” são perfeitamente dispensáveis).
O registro de um cronista em formação, familiarizando-se ainda com suas ferramentas e ajustando seus parafusos.
Cotação: 2/5
Review no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/2856871381
Próxima leitura: Nenhum Espelho Reflete o seu Rosto, Rosângela Vieira da Rocha