Ajustando os parafusos

Tiago Germano
2 min readJun 14, 2019
“O Inferno Atrás da Pia” (Objetiva, 2004), Antonio Prata

O Inferno Atrás da Pia (Objetiva, 2004) é um dos primeiros livros de Antonio Prata, um dos principais representantes da nova geração da crônica brasileira. Com textos esparsos, publicados em revistas, a coletânea não possui a unidade que mais tarde irá caracterizar alguns títulos do autor (como o ótimo Nu de Botas), sendo o humor o elo entre os textos que versam sobre temas variados, sendo alguns mais próximos do conto, outros da crônica.

São desta primeira vertente quatro das melhores peças do conjunto: “Parada” é o fluxo de consciência de um menino, encarregado de tocar os pratos de uma orquestra infantil num desfile. O conto destaca-se pela linguagem ingênua calcada na timidez do garoto, ciente de seu papel insignificante na orquestra; “Claudomiro continua contando” narra a alucinante biografia de um sujeito que tem uma mania esdrúxula: contar todas as coisas que já viu, dos objetos ao seu redor aos bueiros do bairro onde mora; “O Aleph da Vila Madalena” é uma paródia do conto de Borges, ambientada na tradicional Mercearia São Pedro, em São Paulo, tendo os seus donos como personagens; e “Melda!” é o “drama em um ato” de uma festa infantil, protagonizada por um adolescente metaleiro que acabou de ingerir um ácido e uma atriz que, pela falta de dinheiro, se vê obrigada a fazer um bico fantasiada de Cebolinha na festa.

Ao flertar com a crônica, seu domínio particular, Prata se sente à vontade para brincar com o leitor, se colocando como personagem das narrativas (como na crônica que batiza o livro) e tornando conhecidos seus e do público como personagens. Na crônica “O esquema Pesque & Pague”, vemos um complô entre escritores (quase todos cronistas, da geração anterior de Prata, como Millôr Fernandes, Veríssimo e Ignácio Loyola Brandão) que, para diversão do grupo, passam a escrever textos de baixa literatura em revistas do segundo escalão da imprensa.

No todo, o livro é marcado pela fluidez de Prata, seu modo de escrever simples e cativante. Porém, a mesma despretensão que, numa revista, soa como alívio cômico, no livro, beira a vaguidão e a falta de objetivo, tingindo as páginas de casos inexpressivos ocultos sob a falta de rigor do gênero no qual o autor é especialista (certos textos como “Sentou no chiuaua e foi ao cinema”, “Édipo S.A.”, “El tomba-vacas” e “Fora de série” são perfeitamente dispensáveis).

O registro de um cronista em formação, familiarizando-se ainda com suas ferramentas e ajustando seus parafusos.

Cotação: 2/5

Review no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/2856871381

Próxima leitura: Nenhum Espelho Reflete o seu Rosto, Rosângela Vieira da Rocha

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

Tiago Germano
Tiago Germano

Written by Tiago Germano

Escritor, autor do romance “A Mulher Faminta” (Moinhos, 2018) e do volume de crônicas “Demônios Domésticos” (Le Chien, 2017), indicado ao Prêmio Jabuti.

No responses yet

Write a response