A técnica como caçador — e caça

Tiago Germano
2 min readAug 5, 2019

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“O Caçador” (Editora da UFPB, 1997), de Rinaldo de Fernandes

Destacado por seu trabalho como organizador de coletâneas e ensaísta, o escritor maranhense Rinaldo de Fernandes estreou na literatura em fins da década de 1990 com este vasto volume de contos, O Caçador (Editora da UFPB, 1997). Com 50 textos, o livro mescla contos e minicontos, forma mais breve que capturou a atenção do então jovem escritor e segue tendo um impacto na fase mais madura de sua carreira — vide as peças de ficção que vem publicando regularmente em sua coluna no suplemento literário Correio das Artes.

Se, de início, Rinaldo demonstra uma curiosidade técnica, seguindo uma cartilha que passa pelos ensinamentos de Poe e Cortázar e pelo domínio de ingredientes como a tensão e a unidade, mais adiante, seus contos enveredam para experimentos que flertam com o poético não apenas na linguagem mas também na estrutura dos contos.

Há alguns limiares que vamos cruzando quando partimos, por exemplo, de um conto como “Procurando o Carnaval” (que abre a coletânea), caminhamos até “Você Não Quis um Poeta” (um dos mais bem sucedidos, do miolo) e chegamos, enfim, a experimentos mais radicais como “A Orgia Vermelha do Poeta” ou “Conversando sobre a Arte do Conto (ou a Obsessão pela Goiaba)” (mais próximos do final).

Inserida numa tradição mais clássica, calcada num ritmo aflitivo que Rinaldo constrói impondo aos seus personagens uma missão muito clara (como a do périplo em busca do Carnaval, no conto de abertura), sua linguagem vai aos poucos insinuando certos estranhamentos e lampejos poéticos (“a carne acesa de uma enorme goiaba”) que se consolidam no conto protagonizado por um poeta violento, que se vê rejeitado por sua musa. O texto costura parágrafos e versos, implodindo aquela tradição e abrindo brecha para a radicalidade presente em “A orgia…” (feito todo ele a partir de versos) e de “Conversando sobre a Arte do Conto…” (com seu viés metalinguístico).

Óbvio que esta chave de leitura é apenas uma das possíveis entre as tantas que abrem um volume tão robusto quanto diverso. Não há de se descartar, também, sua incursão pela alegoria, mais evidente no conto que batiza o livro ou em “A Fábula do Alho”. Bem como com o duplo borgiano, em contos como “Antes que acabe” e “Um Homem na Janela, de Óculos Escuros”.

Neste percurso longo, de um contista em formação (os contos foram escritos entre 1989 e 1996), a técnica é ao mesmo tempo caçada e caça, arma e presa, uma busca que resulta sempre interessante: seja nos dias da caça, seja nos do caçador.

Cotação: 3/5 (Bom)

Review no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/2917474153

Próxima leitura: “Última Hora”, José Almeida Júnior

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Tiago Germano
Tiago Germano

Written by Tiago Germano

Escritor, autor do romance “A Mulher Faminta” (Moinhos, 2018) e do volume de crônicas “Demônios Domésticos” (Le Chien, 2017), indicado ao Prêmio Jabuti.

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