A pedagogia do luto

“Nenhuma morte é edificante, nenhuma morte nos propicia a compreensão do mistério, nem reduz a distância entre nós e o céu. O sofrimento originário de uma perda não nos ensina lição alguma, só nos arrasta ainda mais. Cada morte nos empurra um milímetro mais ao fundo da terra, até que cheguemos aos exatos sete palmos, quando então também estaremos mortos. Enquanto isso, seguimos, impulsionados por uma força compulsória, a serviço da existência e de sua meta: o retorno à inexistência”, reflete Carrascoza em Elegia ao Irmão (Alfaguara, 2019). A novela, à semelhança de sua afamada “Trilogia do Adeus” (Caderno de um Ausente, Menina Escrevendo com Pai e A Pele da Terra) compõe uma lírica sobre a perda e o luto e é constituída por uma série de textos que, roubando o léxico do próprio autor, molda talvez um “livro de crônicas atávicas” sobre da morte de uma irmã, a personagem Mara.
Vitimada por um câncer, Mara é vista aos olhos do narrador, que ora contraria, ora reforça, a máxima de Umberto Eco de que a literatura (como a filosofia, para Montaigne) deve, como exercício supremo de alteridade, nos “ensinar a morrer” vivendo outras mortes. “Porque, quando morre um irmão, morre uma família inteira, e cabe ao irmão que permanece carregar a história de seus antepassados (e daqueles que virão preservá-las com outras narrativas)”, pondera o narrador, elaborando -ou, melhor dizendo, atravessando — a cerca de arame farpado deste luto incontornável.
À parte os momentos em que Carrascoza parece se deixar conduzir pelo “ponto morto” de sua poética (recorrendo a procedimentos de desautomatização já um tanto fatigados numa prosa que abusa de joguetes de palavras e associações falsamente “estranhas”), o livro é um belo tratado deste tema que se entranhou em sua obra e o destacou como uma das principais vozes de sua corrente romanesca — aquela que se afasta um pouco do enredo para investir na linguagem, por vezes sobrepondo seu exercício aos demais elementos narrativos.
A repetição exaustiva desse discurso — que para alguns pode soar redundante ao ser submetida ao contexto dos demais livros — alcança aqui, sem dúvida, o poder de se comunicar com a própria experiência do luto: um lamento por vezes circular e recrudescente, que nos absorve neste remoer constante da língua e do câncer das palavras.
Cotação: 4/5 (Muito bom)
Review no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/2896891596
Próxima leitura: “Dez de Dezembro”, George Saunders