A completude do fragmento

Se em O Jardim das Hespérides (2017), Daniel Gruber estreava no conto se inscrevendo numa tradição que tem suas raízes em Tchékhov e, contemporaneamente, renovou sua linhagem com a prosa de escritoras como Lucia Berlin e Alice Munro, em Animais Diários (O Grifo, 2019), sua segunda incursão pelo gênero, o autor opta por uma variante formal mais ousada, embarcando numa genealogia experimental que passa por nomes latino-americanos como Cortázar ou Borges (referência de um dos contos) e tem seu grande expoente, hoje, na escrita fragmentária de Lydia Davis.
Ao contrário da maioria dos adeptos e adeptas de Davis, porém, Gruber não se deixa seduzir facilmente pelas lacunas que a hipertrofia do subtexto — elemento essencial, sobretudo no conto -provoca, sem transferir para o leitor uma responsabilidade que é, em primeira instância, do escritor: narrar. A exemplo das ressonâncias mitológicas que seu primeiro livro alcança, neste, Gruber introduz desde o título a atmosfera de suas narrativas: o cotidiano animalesco do homem, a selva urbana, habitat de nossas tragédias.
Apoiados sobre essa unidade, os textos se desenvolvem com uma consistência e com uma uniformidade surpreendentes, sem cair nas armadilhas de uma monotonia que poderia fazer toda sua estrutura ruir. Divididas em três partes, as ficções deste volume vão dos brevíssimos contos da primeira parte, quase todos de pouco mais de uma página; até os de um viés mais enciclopédico da segunda, calcada ainda na concisão; e os seis maiores contos da terceira, que se espraia em peças um pouco mais convencionais, nem por isso ordinárias.
Ao final, resta a sensação de que Gruber vem se consolidando como um dos melhores contistas de sua geração, talhando seu nome num território de resistência, que segue firme apesar do apelo mercadológico (e um tanto preguiçoso) do romance.
Nesta seara vigorosa, que perto dele gerou talentos como Natalia Borges Polesso e, à uma distância não tão longínqua, virtuoses como Eduardo Sabino e Marco Severo, Gruber se destaca com personalidade e obras que, ademais, prezam por um primor editorial que não há como deixar de mencionar nem dissociar de seu estilo (vide a arte e o acabamento de seu livro — lançado pelo selo que ele próprio fundou).
Cotação: 4/5 (Muito bom)
Review no Goodreads: https://www.goodreads.com/review/show/2896666588
Próxima leitura: “De Quando Éramos Iguais”, Eduardo Sens